Com o acordo, que envolve uma fatia minoritária de 30% e ainda depende de aprovação dos órgãos regulatórios, a fintech de pagamentos cross border busca antecipar mudanças em seu cenário de competição. As aquisições também são parte da expansão na América Latina, outro foco da startup para 2021.

Boa parte do caminho da curitibana Ebanx foi cumprido longe dos holofotes. Fundada em 2012, a novata nasceu com a proposta de processar pagamentos internacionais, o chamado cross border, conectando os consumidores latino-americanos aos e-commerces e serviços digitais com sedes além das fronteiras da região.

Mesmo “atrás das câmeras”, a empresa ganhou fama na cena de startups ao atrair mais de mil clientes, entre eles, nomes como SpotifyAirbnb e AliExpress. E deixou definitivamente os bastidores no fim de 2019, quando se tornou mais um unicórnio brasileiro, com um aporte, de valor não revelado, do fundo americano FTV Capital.

A Ebanx não perdeu, no entanto, o gosto pela discrição. Sem fazer alarde, a companhia começa a dar vazão a uma faceta ainda pouco conhecida do seu repertório: as aquisições. E o movimento mais recente nessa direção é a compra de uma participação minoritária do banco Topázio, revelada com exclusividade ao NeoFeed.

Fechado neste início de ano, o acordo, cujos termos financeiros não foram divulgados, envolve uma fatia de 30% no banco gaúcho e ainda está sujeito à aprovação do Banco Central e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Até que isso aconteça, as duas empresas seguirão operando de forma independente.

“Em essência, dependemos de uma instituição financeira e sempre tivemos boas parcerias no segmento bancário”, diz Wagner Ruiz, cofundador e CFO da Ebanx. “Mas entendemos que, daqui para frente, precisamos criar uma aliança muito mais forte do que uma relação com um fornecedor.”

O banco parece, de fato, ter um bom encaixe com as ambições da Ebanx. A começar pela figura de Ernesto Corrêa. Além do Topázio, o empresário gaúcho, avesso a holofotes, reuniu sob a marca do grupo que leva o seu sobrenome negócios como a processadora de cartões GetNet, vendida ao Santander, em 2014.

Fundado em 2005, o Topázio investe em um modelo 100% digital, sem agências físicas, com um portfólio para pessoas físicas e jurídicas em áreas como crédito, câmbio e investimentos.

No primeiro semestre de 2020,  o banco contabilizou uma receita com intermediações financeiras de R$ 134,1 milhões e um prejuízo de R$ 7,5 milhões. A empresa fechou o período com uma carteira de crédito de R$ 255 milhões e com R$ 247 milhões em caixa.

Desde 2017, o Topázio também vem migrando para os bastidores, ao priorizar uma oferta sob o conceito de bank as a service, com um arcabouço tecnológico e regulatório para que fintechs e outras empresas encurtem o caminho para a oferta de produtos e serviços financeiros.

Entre essas companhias estão nomes como o Mercado Pago, fintech do Mercado Livre, que estruturou uma operação de crédito para os sellers do marketplace, e a incorporadora Vitacon, que lançou uma modalidade de investimento com o apoio do Topázio. Além da própria Ebanx, que tem o banco como parceiro na Ebanx Go, conta digital voltada a pessoas físicas.

Ao buscar uma relação mais íntima com o banco, a Ebanx quer aprimorar sua oferta de pagamentos cross border para clientes internacionais no Brasil. “Isso passa por ter mais velocidade para processar as operações e uma estrutura adequada para atender ao crescimento no volume das transações”, afirma Ruiz.

Com essa premissa, a Ebanx também foi às compras há menos de um ano. Em abril de 2020, a empresa adquiriu um sistema de processamento nos Estados Unidos para facilitar a integração e aprimorar o atendimento a clientes americanos no Brasil. A startup não revela o nome do ativo e o valor do acordo.

Ainda no âmbito dos investimentos, a Ebanx mantém um fundo de early stage, o Honey Island, por meio do qual já fez aportes em mais de uma dezena de startups. Anunciado em 12 de janeiro, o mais recente envolveu a plataforma de chat-commerce OmniChat, em rodada de R$ 20 milhões liderada pela Kaszek Ventures.

Primeira na fila

À parte da busca por transações mais rápidas e eficientes, a participação minoritária no Topázio tem como um de suas principais razões a perspectiva de mudanças no setor da Ebanx e no seu entorno.

Entre elas, a agenda do Banco Central para a regulamentação do segmento de câmbio, com a promessa de abertura do mercado para a atuação de fintechs. Há, inclusive, uma consulta pública em curso que versa sobre temas como novos modelos em pagamentos e transferências internacionais.

“Não sabemos se as regras irão mudar ou quais rumos o mercado irá tomar, mas não podemos ficar esperando”, afirma Ruiz. “Ter uma instituição regulada e autorizada dentro de casa, mesmo que parcialmente, nos deixa mais confortáveis para os desafios à frente”, diz, acrescentado que a associação também abre espaço para o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

“A Ebanx está tentando se antecipar a esses movimentos futuros, que trarão, sem dúvida, mais clareza ao jogo e mais competição”, diz Fabricio Winter, sócio da consultoria Boanerges & Cia. “No fundo, a empresa está comprando a prioridade de ser a primeira na fila de desenvolvimento com o Topázio.”

Esse panorama de mudanças na competição está colocando as instituições dedicadas ao bank as service na mira de investidores e de empresas como a Ebanx. “Ter na carteira nomes como o Mercado Pago coloca o Topázio entre os ativos mais cobiçados. Mas ele não é o único”, diz uma fonte do setor.

Um exemplo é a Hub Fintech, comprada em dezembro pelo Magazine Luiza, por R$ 290 milhões. Outro é a também brasileira Conductor, que captou US$ 170 milhões no fim de 2020, em rodada liderada pela Viking Global Investors, com a participação de fundos como Temasek e Riverwood Capital.

“A Conductor já tem mirado mercados fora do Brasil, como Colômbia e México”, afirma a mesma fonte. “Ao mesmo tempo, ao se associar com a Ebanx, o Topázio ganha uma porta de entrada para outros países latino-americanos.”

Se há competidores do Topázio buscando outras fronteiras, para a Ebanx, a concorrência também deve se acirrar com rivais de outros países. É o caso da dLocal que, em setembro, tornou-se o primeiro unicórnio do Uruguai, ao ser avaliada em US$ 1,2 bilhão após uma rodada de US$ 200 milhões da General Atlantic e da Addition.

Além de desenvolver novos serviços, a startup, que já atua no Brasil, planeja iniciar operações em 13 novos países. Assim como a Ebanx, a dLocal atende clientes de peso, como AmazonUber e Booking.com.

Novas fronteiras

A expansão da presença na América Latina é justamente o outro grande foco da Ebanx para este ano. Atualmente, na região, a empresa está presente nos seguintes países: México, Argentina, Colômbia, Chile, Peru, Uruguai, Bolívia, Equador e Paraguai.

Em 2020, a Ebanx intermediou mais de 145 milhões de transações, o que representou um salto de 38% sobre 2019. Sem considerar o Brasil, o avanço foi ainda superior, de 200%. A empresa não revela a cifra total movimentada no período.

Wagner Ruiz, cofundador e CFO da Ebanx

“A América Latina, sem o Brasil, saiu de uma fatia de 25% na nossa operação, em 2019, para uma fatia de 45%”, diz Ruiz. “Temos três macro áreas de negócios, que se retroalimentam e, com esse crescimento, vimos que precisamos ampliar a presença onde já estamos e levar nossas ofertas a novas geografias na região.”

Batizado de Push Latam, o projeto também tem um forte componente inorgânico para acelerar a expansão de uma dessas áreas. Trata-se da oferta de serviços de pagamentos para empresas locais. Hoje, além do Brasil, esse portfólio está disponível na Argentina e começa a ser estruturado no México.

“Temos conversado com empresas de pagamentos que fazem processamento local na região e há um bom espaço para aquisições nesse espaço nos próximos 12 meses”, conta Ruiz, que aponta Colômbia e Chile como os dois novos pontos a serem adicionados no mapa da Ebanx nessa ponta.

Já nos pagamentos cross border, depois do início recente das operações no Uruguai e no Paraguai, o plano para 2021 é chegar aos países da América Central. O roteiro inclui, a princípio, Panamá, Costa Rica, República Dominicana e Guatemala, com a possibilidade do investimento em operações compartilhadas.

Em 2020, a Ebanx intermediou mais de 145 milhões de transações, o que representou um salto de 38% sobre 2019

A terceira escala nesse percurso é a expansão da Ebanx Go, conta digital com cartão pré-pago e cashback. Disponível no mercado brasileiro desde janeiro, essa oferta é a a única iniciativa da Ebanx voltada a consumidores.

Argentina e México serão os dois primeiros países a receber a Ebanx Go. No Brasil, a conta digital tem cerca de 55 mil usuários e a expectativa é encerrar março com uma base de 100 mil clientes. Para Winter, da Boanerges & Cia, a guinada no B2C é válida, mas precisa ser encorpada.

“Temos mais de 700 contas digitais hoje no Brasil. Se eles não adicionarem outros produtos financeiros nesse pacote, é difícil ganhar escala”, afirma. Ele aponta, porém, um aspecto positivo a ser explorado. “A Ebanx pode aproveitar essa onda para testar bem o produto e levá-lo a países mais carentes dessas soluções na região.”

Enquanto a expansão do leque para consumidores parece ser uma necessidade, a Ebanx estuda lançar um portfólio de produtos financeiros para outro público: as 50 mil pequenas e médias empresas que formam a sua base de clientes de pagamentos locais no Brasil.

“A ideia é começar um MVP (Minimum Viable Product) de crédito ainda nesse trimestre”, observa Ruiz. “Temos espaço para oferecer produtos usando parceiros especializados. E, dentro dessa visão, a aliança com o Topázio também faz muito sentido.”